Butantan: alterações na urina de pessoas com autismo podem contribuir para diagnóstico

Cientistas encontraram biomarcadores com potencial para auxiliar no acompanhamento do quadro

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Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram potenciais biomarcadores em amostras de urina de pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), que podem auxiliar no desenvolvimento de métodos complementares de diagnóstico e acompanhamento da evolução do quadro. O trabalho foi publicado na revista Biomarkers Journal e indicou diferenças na concentração total de proteínas e aminoácidos na urina de indivíduos com autismo e de pessoas sem o transtorno.

Foram analisadas amostras de 22 crianças diagnosticadas com TEA, com idades entre 3 e 10 anos, e de 22 crianças neurotípicas como grupo controle. Os participantes foram selecionados no Centro de Especialização Municipal do Autista, em Limeira (SP), e na Associação de Pais e Amigos do Autista da Baixa Mogiana, em Mogi Guaçu (SP).

Os testes apontaram alterações nas quantidades dos aminoácidos arginina, glicina, leucina, treonina, ácido aspártico, alanina, histidina e tirosina na urina das crianças com autismo. “Os níveis anormais de proteínas e aminoácidos podem estar relacionados a diversos sinais observados em pessoas com TEA”, informa o artigo. 

Por exemplo, durante a formação do feto ou no período pós-natal, quando os receptores de neurotransmissores estão em desenvolvimento, o desequilíbrio de aminoácidos pode tornar o cérebro vulnerável à superestimulação. Outra hipótese é que essa desregulação metabólica pode contribuir para a presença de comorbidades, como transtornos gastrointestinais.

“Nossa intenção foi trazer elementos que pudessem servir como dados adicionais e importantes para futuros estudos, não só para a caracterização do quadro do TEA, mas também para fornecer um acompanhamento da evolução do distúrbio. As informações precisam ser validadas em uma população maior, mas indicam um caminho a ser seguido”, explica o pesquisador do Butantan Ivo Lebrun, coordenador do estudo, que fez parte da tese de doutorado da nutricionista Nádia Isaac da Silva.

Segundo o cientista, o desequilíbrio da microbiota intestinal, que anda lado a lado com o metabolismo, costuma estar presente nos pacientes com autismo, levando a uma inflamação do sistema digestivo. Isso faz com que alguns alimentos, em geral, não sejam muito bem tolerados, como derivados do leite e produtos com glúten. 

“O autismo é um espectro de alta complexidade, influenciado por vários fatores. Da mesma forma, o seu acompanhamento deve ser multidisciplinar: terapias comportamentais, psicoterapia e nutrição, por exemplo, são práticas que visam a melhoria e controle do quadro”, diz o pesquisador.

Vale ressaltar que o autismo não é considerado uma doença, e sim um distúrbio do neurodesenvolvimento de origem genética cujas manifestações podem ser amenizadas de acordo com a gravidade, que varia de caso a caso. Por isso, não existe uma “cura”. É possível classificar os pacientes em níveis 1, 2 ou 3, dependendo do grau de suporte que necessitam.

Devido à complexidade do diagnóstico e do tratamento, diversas abordagens têm sido estudadas para ampliar o conhecimento sobre o TEA, como a construção de bancos de dados provenientes de amostras de sangue e de sequenciamento genético. São estudos que permitem descobrir, por exemplo, novos genes associados ao distúrbio e biomarcadores para caracterizá-lo.

Uma das vantagens de trabalhar com biomarcadores na urina é a facilidade da coleta, que pode ser feita em casa pelos próprios pais ou responsáveis – diferente de uma coleta de sangue, que é mais invasiva, exige um profissional especializado e envolve maiores dificuldades, especialmente no caso do público infantil.

“Se antigamente não se falava tanto sobre autismo como hoje, não significa que ele não estava lá. O transtorno sempre existiu, mas com o avanço das tecnologias, ele tem sido detectado cada vez mais cedo. Esses estudos vêm para complementar as formas de diagnóstico e acompanhamento clínico”, resume Ivo.