CFF recorre e Justiça analisa direito à prescrição de medicamentos por farmacêuticos

Conselho Federal de Farmácia sustenta que atuação é realidade em cidades sem estrutura de saúde e respeita os princípios do SUS

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Os farmacêuticos buscam na Justiça recuperar um direito que vigorou por doze anos e foi suspenso recentemente: o de prescrever medicamentos. O Conselho Federal de Farmácia (CFF) entrou com recurso, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), para reverter a suspensão judicial de uma resolução que regulamentava essa prerrogativa.

A resolução foi suspensa na 17ª Vara Federal, a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM), que defende a exclusividade da prescrição aos médicos. O Conselho argumenta que os farmacêuticos não têm atribuição legal nem preparação técnica para identificar doenças, definir tratamentos e medidas para restabelecer a saúde de pessoas acometidas das mais diversas doenças. De outro lado, o CFF contesta, afirmando que o diagnóstico e a prescrição terapêutica não estão elencados entre os atos privativos de médico na lei do ato médico, que o farmacêutico tem especialização necessária para prescrever, e que a população precisa desse atendimento. O recurso ao Tribunal foi apresentado nesta terça (29).

A polêmica não é nova, mas foi resgatada com a edição da Resolução 5/2025 pelo CFF, dispondo sobre a atuação do farmacêutico na formulação de um acompanhamento sistemático do paciente que busca orientação. O texto define que o farmacêutico habilitado com o devido Registro de Qualificação de Especialista em Farmácia Clínica (RQE) está autorizado a receitar medicamentos, incluindo aqueles cuja venda exige prescrição. Ficam mantidas as restrições definidas pela Portaria 344/1998, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Ou seja, farmacêuticos não podem prescrever os medicamentos de tarja preta e aqueles cujo uso restrito exige uma prescrição, especificamente, de um profissional médico.

A resolução também permite ao farmacêutico proceder exame físico com a verificação dos sinais e sintomas, e a renovação de prescrições previamente emitidas por outros profissionais da área de saúde e legalmente habilitados. A prescrição de medicamentos por farmacêuticos é permitida desde 2013, por força de outra resolução (586) do próprio CFF. Como justificativa, encampada pelo Sistema Único de Saúde, está a ideia de expandir para outros profissionais maior responsabilidade no atendimento clínico dos pacientes e adoção de um modelo de prescrição como prática multiprofissional.

Em outros países como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, por exemplo, o modelo já é adotado com restrições definidas em modalidades semelhantes às que eram seguidas no Brasil. E a realidade de milhares de municípios que não dispõem de uma rede integrada de saúde é um dos muitos argumentos que sustentam a premissa do Conselho de Farmácia. Um em cada 3 municípios sofre com a ausência de médicos, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em 3.385 cidades brasileiras – problema que impacta 112 milhões de brasileiros, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, de acordo com o CNM. E 55% desses municípios vivem sob o risco de desabilitação de equipes de atenção primária, tendo em vista a falta de médicos por período superior a 90 dias.

Na Justiça, a defesa do CFF coincide com a sanção pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da Lei 15.126/2025 que, na segunda (28), estabeleceu a atenção humanizada como princípio do SUS. Em pequenas cidades, as farmácias são a primeira ou única unidade de assistência à saúde. Nas farmácias comunitárias, por exemplo, o farmacêutico trabalha no acolhimento, triagem, coleta de informações sobre o histórico clínico e orientação terapêutica. “O atendimento prestado pelos farmacêuticos é corroborado pelo Ministério da Saúde nos programas de tratamento de tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis”, defendem os advogados do Conselho Federal de Farmácia.

No recurso, os advogados destacam ainda que a decisão de primeira instância que suspendeu os efeitos da resolução do CFF se baseou em artigos da chamada Lei do Ato Médico (12.842/2013) que foram vetados. “O diagnóstico e a prescrição terapêutica não estão elencados entre os atos privativos de médico. E foram retirados desse rol na aprovação da lei, sendo objetos de veto presidencial”, revelam no agravo.

O CFF também está levando à Justiça a avaliação de que, ao suspender os efeitos da resolução editada pela autarquia, a figura da reserva de mercado profissional – proibida em lei e já vetada em decisões do Supremo Tribunal Federal – estaria sendo reeditada. “O Brasil precisa de mais profissionais de saúde cuidando da população. A reserva pretendida pelo Conselho Federal de Medicina desconsidera a realidade de milhares de municípios em que os farmacêuticos são indispensáveis aos programas do SUS que funcionam com atuação integrada dos profissionais de saúde”, alertam os profissionais.

No recurso encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região nesta terça-feira (29/04), pelos advogados dos escritórios Almeida Castro, Castro e Turbay e Fischgold Benevides, o CFF lembra ainda que somente os farmacêuticos qualificados com o chamado Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em farmácia clínica estariam autorizados a prescrever medicamentos, afastando riscos à saúde, um dos argumentos que o CFM usou para derrubar a medida.

O pedido dos advogados é que a resolução do CFF seja restabelecida, mantendo a possibilidade de farmacêuticos elaborarem o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático de pacientes.