Cientistas produzem enzima que “desmonta” proteção de bactéria resistente

Em laboratório, testes removeram barreira e impediram formação dos chamados biofilmes. Pesquisa abre caminho para novas estratégias contra infecções persistentes

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Um grupo de cientistas, entre eles os farmacêuticos Andrei Nicoli Gebieluca Dabul e Luis Antonio Esmerino, identificou uma enzima capaz de degradar, com alta eficiência, estruturas que tornam a bactéria Staphylococcus aureus mais resistente a tratamentos. O estudo, publicado no World Journal of Microbiology and Biotechnology, abre caminho para novas estratégias contra infecções persistentes — especialmente associadas a cateteres, curativos e outros dispositivos médicos.

Staphylococcus aureus é uma das bactérias mais comuns em infecções de pele, feridas e pulmões. Sua grande arma é a capacidade de formar biofilmes — uma espécie de “camada” pegajosa que protege as células bacterianas e dificulta a ação de antibióticos. Uma vez instalada, essa barreira pode multiplicar a resistência da bactéria a medicamentos.

No trabalho, os pesquisadores analisaram uma enzima chamada KaPgaB, originalmente presente em outra bactéria, a Klebsiella aerogenes. Em laboratório, a equipe produziu a enzima e testou sua ação sobre biofilmes de várias cepas de Staphylococcus aureus, incluindo versões resistentes a antibióticos usados na prática clínica.

Os resultados foram animadores: em alguns casos, a enzima removeu mais de 80% da estrutura do biofilme após apenas quatro horas de ação. Em outros testes, quando os cientistas aplicaram primeiro outra enzima (como DNase I ou papaina) e em seguida a KaPgaB, a remoção chegou a 97%, bem próxima da eliminação total da camada aderida. Além de desmontar biofilmes já formados, a KaPgaB mostrou capacidade de impedir novas formações. Em uma das cepas avaliadas, a enzima reduziu em até 96% a formação da estrutura protetora.

Reforço enzimático

Outro ponto importante do estudo foi a associação com antibióticos. Sozinhos, os medicamentos pouco afetaram as bactérias protegidas pelo biofilme, mas quando aplicados após a ação da enzima, sua eficácia aumentou de maneira significativa. Em algumas combinações, a quantidade de células vivas caiu pela metade.

Segundo os autores, o desempenho da KaPgaB indica que a enzima pode, no futuro, integrar estratégias terapêuticas para infecções persistentes — seja aplicadas isoladamente, seja em conjunto com antibióticos.

“A aplicação simultânea de KaPgaB com antibióticos melhora consideravelmente sua eficiência e eficácia, destacando o potencial da estratégia combinada enzima-antibiótico para o tratamento de infecções persistentes associadas a biofilmes bacterianos patogênicos”, informam os pesquisadores no artigo.

“Acredito que o tratamento enzimático com KaPgaB em combinação com os antibióticos pode, sim, ajudar com tratamento de infecções persistentes com S. aureus, incluindo as cepas multirresistentes. Contudo, sua adoção na prática médica deve passar ainda por testes in vitro e in vivo mais abrangentes”, pondera Igor Polikarpov, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e líder do grupo de pesquisa.

O estudo que identificou a ação potente da enzima KaPgaB contra biofilmes de Staphylococcus aureus reúne um grupo de 12 pesquisadores de diferentes instituições brasileiras, formando uma colaboração científica que envolve três estados.

O resultado é um esforço multidisciplinar que conecta física, biologia molecular, microbiologia, medicina e saúde pública. Essa diversidade de formações e instituições permitiu que o estudo avançasse em diferentes frentes, desde a engenharia genética da enzima até sua avaliação como ferramenta para combater infecções persistentes.

O artigo Klebsiella aerogenes PgaB orthologue can efficiently hydrolyze Staphylococcus aureus biofilms está disponível neste link.