Trabalho de farmacêutico chama a atenção para virulência bacteriana e resistência aos antimicrobiano

Trabalho de farmacêutico chama a atenção para virulência bacteriana e resistência aos antimicrobianos em populações indígenas

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A disseminação mundial de linhagens de Escherichia coli virulentas e multirresistentes aos antimicrobianos representa uma ameaça significativa à saúde pública. Considerando a alta incidência global deste perfil bacteriano, o farmacêutico e coronel Marco Vianello iniciou um estudo curioso. Entre 2011 e 2012, enquanto atuava na Selva Amazônica para atender comunidades indígenas, realizou análises genômicas de bactérias de conteúdo fecal dessas pessoas, que vivem em área isolada, para verificar se eram portadoras de micro-organismos virulentos e multirresistentes. Contrariando o que se considerava normal, foram detectadas cepas de E. coli virulentas e multirresistentes pertencentes ao clone internacional de alto risco O15:H1-D-ST393.

Marco Vianello

Na sequência do estudo, o pesquisador identificou genes e mutações que conferem resistência a β-lactâmicos, aminoglicosídeos, tetraciclinas, sulfametoxazol/trimetoprima e fluoroquinolonas, além da presença de plasmídeos IncQ1, IncFIA e IncFIB. "Inicialmente, observamos em exames de rotina desses indígenas um padrão elevado de resistência às fluoroquinolonas. Isso chamou a atenção, pois não se esperava encontrar um perfil de resistência tão alto a antimicrobianos sintéticos em comunidades isoladas. Tal resistência poderia até ser esperada em antibióticos naturais, como as penicilinas, já que são produzidos por fungos ambientais, mas não a medicamentos sintetizados pelo homem", explicou o farmacêutico.

Os resultados do estudo podem fornecer informações valiosas para entender a disseminação de clones multirresistentes intercontinentais em regiões remotas com baixa exposição a antibióticos. "O mais estarrecedor é que, ao compararmos o perfil mundial de distribuição dessas bactérias, o padrão encontrado em nossa pesquisa era dominante na Ásia, Europa e América do Norte, sem registros prévios no Brasil", destacou Vianello.

O pesquisador sugere que a cepa chegou ao Brasil provavelmente pela contaminação dos povos indígenas via porta de entrada na Selva Amazônica. "A contaminação pode ter ocorrido por ação humana, mas também há a possibilidade de aves migratórias transportarem essas cepas da América do Norte para a América do Sul, como já demonstrado em estudos de nosso grupo de pesquisa na USP, liderado pelo professor Nilton Lincopan. Isso revela como a globalização descontrolada pode impactar comunidades que imaginávamos protegidas de interferências externas", complementou.

Além disso, o estudo mostrou que o genoma desses micro-organismos apresentava uma grande quantidade de fatores de virulência, tornando-os potencialmente mais agressivos do que os encontrados em áreas urbanas. "Essa combinação de virulência e resistência a antimicrobianos de amplo espectro exige atenção urgente dos serviços de saúde", alertou.

O trabalho, parte da tese de doutorado do farmacêutico, foi publicado no periódico Science Direct e na revista The Lancet, servindo como um alerta à comunidade científica sobre a relação entre fatores de virulência e genes de resistência a antimicrobianos.