CFF manifesta pesar e cobra mudanças estruturais após morte do menino Benício
Conselho aponta falhas no processo medicamentoso e defende presença obrigatória de farmacêuticos em áreas críticas hospitalares para prevenir novos eventos graves.
O Conselho Federal de Farmácia (CFF) manifesta profundo pesar e solidariedade à família do menino Benício, vítima de um grave evento adverso ocorrido em ambiente hospitalar. A dor dessa perda mobiliza toda a sociedade e exige reflexão responsável e providências concretas para que situações semelhantes não se repitam.
As informações disponíveis até o momento indicam que o caso envolve erro no processo medicamentoso, com falha de prescrição e administração em contexto assistencial de alta complexidade. Sem prejulgar responsabilidades (que devem ser apuradas com rigor pelas autoridades competentes), o episódio expõe, de forma clara, uma fragilidade estrutural do sistema: a existência de uma lacuna legal e regulatória que permite o funcionamento de farmácias satélites e estoques descentralizados em áreas críticas sem a presença obrigatória de farmacêutico.
Essa lacuna normativa cria um cenário em que medicamentos de alta vigilância e de controle especial podem ser armazenados, dispensados e liberados em urgência/emergência e UTI sem validação farmacêutica presencial no ponto de uso, reduzindo drasticamente as barreiras independentes capazes de interceptar falhas antes que atinjam o paciente. Em áreas críticas, onde predominam decisões rápidas, prescrição dinâmica, administração endovenosa e uso de medicamentos potencialmente perigosos, uma única falha não interceptada pode ser fatal, como tragicamente evidenciado no caso Benício.
O CFF reafirma que erros de medicação não são eventos raros, são evitáveis e sua gravidade se amplifica justamente onde a assistência é mais complexa. Por isso, as melhores práticas de segurança do paciente são convergentes na necessidade de barreiras qualificadas e presenciais na etapa de validação, dispensação e orientação clínica, papel que a legislação profissional atribui ao farmacêutico.
Diante desse quadro, o CFF ressalta:
1 - A lacuna legal nas farmácias satélites precisa ser corrigida com urgência. A permissividade de funcionamento desses pontos de dispensação em áreas críticas sem farmacêutico presencial enfraquece o sistema de segurança medicamentosa e favorece a passagem de erros evitáveis.
2 - A presença obrigatória, presencial e contínua do farmacêutico em farmácias satélites e estoques descentralizados de urgência/emergência e UTI é barreira técnica essencial. É o farmacêutico o profissional legal e tecnicamente habilitado para validar prescrições, checar dose, via, diluições, compatibilidades, estabilidade, interações e riscos específicos de medicamentos de alta vigilância.
3 - A segurança depende de dimensionamento adequado da força de trabalho farmacêutica. Diretrizes profissionais vigentes atribuem ao farmacêutico responsável técnico o dever de planejar e dimensionar equipes conforme complexidade assistencial, volume de prescrições e perfil de risco, garantindo validação tempestiva e suporte clínico em leitos críticos. Considerando a autoridade técnica do farmacêutico, esse dimensionamento deve ser respeitado pela gestão do serviço/estabelecimento.
4 - A cultura de segurança do paciente requer integração multiprofissional. A experiência internacional demonstra que sistemas de saúde mais eficientes são aqueles em que há colaboração interprofissional efetiva, com farmacêuticos, médicos, enfermeiros e outros profissionais atuando em conjunto, cada um dentro de sua área de competência, mas de forma integrada, tendo o paciente como centro do cuidado. A saúde é complexa demais para ser responsabilidade de uma única profissão. É no reconhecimento das competências específicas e na integração dos saberes que conseguimos oferecer um cuidado mais seguro e efetivo à população.
Com base nessas premissas, o CFF informa que está apoiando e colaborando tecnicamente com a formulação de proposta legislativa nacional que institui a obrigatoriedade de farmacêutico presencial em farmácias satélites/estoques descentralizados de medicamentos de controle especial e de alta vigilância em urgência/emergência e UTI, para hospitais públicos e privados, independentemente do número de leitos, superando explicitamente a lacuna regulatória hoje existente.
O CFF também recomenda que os hospitais adotem imediatamente essa assistência presencial, mesmo antes da aprovação legislativa, como parte de seu dever sanitário e ético de proteção à vida.
Por fim, o Conselho Federal de Farmácia reafirma seu compromisso institucional com a segurança no uso de medicamentos, com a defesa do cuidado multiprofissional e com a prevenção de eventos adversos evitáveis. Transformar a dor do caso Benício em mudanças estruturais é dever coletivo do Estado, das instituições de saúde e das profissões sanitárias.
Seguiremos contribuindo para que o Brasil avance em normas e práticas que preservem vidas e reforcem a confiança da sociedade nos serviços de saúde.
Conselho Federal de Farmácia (CFF)
Brasília, 6 de dezembro de 2025