Caso do bebê que ingeriu colírio em Formosa alerta para o cuidado no ato da dispensação

Farmacêuticos orientam sobre como evitar trocas

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Um bebê de apenas dois meses morreu após supostamente ingerir um colírio vendido no lugar do medicamento para evitar enjoo e vômito, receitado pelo médico. A primeira hipótese levantada foi de que a troca teria ocorrido em uma farmácia de Formosa, município goiano no entorno do Distrito Federal. Mas a gerente do estabelecimento disse à polícia que “o atendente responsável pela venda está seguro de que entregou o medicamento correto à família”. O bebê tomou “tartarato de brimonidina”, um colírio para o tratamento de glaucoma, no lugar de bromoprida. 


Além da Polícia, o Conselho Regional de Farmácia de Goiás apura as circunstâncias que motivaram a troca e se ele causou a morte do bebê. Por outro lado, independentemente da reposta, fica a pergunta: o que poderia ter sido feito para evitar o erro? O Conselho Federal de Farmácia ouviu farmacêuticos de diferentes áreas para reunir orientações sobre como evitar esse tipo de erro na dispensação, que é o ato da entrega do medicamento ao paciente. 


O presidente do Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP Brasil) e consultor do Conselho Federal de Farmácia, Mário Borges Rosa, destaca que, assim como na aviação, erros em saúde sempre são provocados por vários fatores. E alerta para uma série de medidas preventivas. Especialista em uso seguro de medicamentos há mais de 25 anos, ele destaca que a primeira medida, nesses casos, é sempre garantir uma prescrição legível. 


“Esse é um direito do paciente e uma obrigação legal do prescritor, que deve, preferencialmente, utilizar o computador para a emissão da receita. Não sendo possível, a escrita deve ser clara e de fácil entendimento” orienta Mário Borges. A parcela de responsabilidade do farmacêutico é consultar o prescritor, quando não conseguir ler, com segurança, a prescrição. Essa prerrogativa está assegurada no Código de Ética Farmacêutica. O farmacêutico nunca deve tentar adivinhar o que está escrito na prescrição. 


Outra medida orientada por Mário Borges é a oferta, ao paciente ou ao seu responsável, o maior número de informações possível. O prescritor deve esclarecer sobre sinais e sintomas da doença e explicar sobre o tratamento. O mesmo deve ser feito pelo farmacêutico em relação à forma de uso dos medicamentos prescritos. “E é sempre recomendável que o farmacêutico verifique se o paciente ou seu responsável conseguiu compreender as orientações. É importante destacar que a forma correta de fazer isso nunca é perguntar se ele entendeu, mas pedir que ele repita o que lhe foi orientado”. 


Na farmácia, os cuidados vão desde a organização dos medicamentos na prateleira da farmácia até a conferência dos dados do receituário. Essa checagem é importante não só para saber se a prescrição está de acordo com as normas e a legislação, mas também porque as informações auxiliam na entrega do medicamento correto. “Apenas para citar um exemplo, a prescrição de um colírio para glaucoma, ainda mais para uma criança, é muito específica. Geralmente, é feita por um oftalmologista”. 


O farmacêutico clínico Flávio Borges, do Distrito Federal, acrescenta o cuidado da dupla checagem da prescrição e do medicamento. “É recomendado que o atendente e o farmacêutico façam a conferência.” Em casa, para evitar trocas, pacientes ou seus responsáveis devem observar se o medicamento que será usado foi de fato aquele que está prescrito e rever, no receituário, a forma de utilizá-lo e as doses indicadas, buscando seguir corretamente as orientações.

 
Outro fato que pode contribuir para o erro é o de as farmácias organizarem os medicamentos na prateleira por ordem alfabética. “Isso até pode ser feito, desde que os medicamentos com nomes semelhantes sejam posicionados distantes uns dos outros, para evitar confusão.” Flávio Borges sugere a separação da forma farmacêutica colírio em uma seção específica. Essa medida evita a substituição de outros medicamentos por colírios, como ocorreu no caso de Formosa, e vice-versa. “A aplicação de outras substâncias que não colírios por via tópica ocular pode ser muito nociva”, alerta.   


Nomes de medicamentos com grafia ou som semelhantes estão relacionados à, pelo menos, 15% das notificações de erros de medicação, segundo o National Coordinating Council for Medication Error ReportingPrevention (NCC MERP/EUA). E esse problema transcende a capacidade de solução do médico, da farmácia ou do farmacêutico. Depende dos órgãos reguladores. Segundo Mário Borges, a expectativa é que a realidade comece a mudar, com mudanças recentes na regulamentação brasileira. 


Foi publicada no final do ano passado, a RDC nº 768/2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Elaborada com a colaboração do Conselho Federal de Farmácia, o ISMP Brasil e outras instituições da área farmacêutica, a norma estabelece novas regras para evitar erros, como o uso de caixa alta (Tall Man Lettering ou TML) em letras que diferenciam nomes parecidos de medicamentos, como AmiNOFILina e AmioDARONA  ou BuPROPiona  e BusPIRona. A caixa alta também é recomendada na resolução para expressões chaves, como "USO ADULTO", "MEDICAMENTO FITOTERÁPICO" e "VENDA SOB PRESCRIÇÃO COM RETENÇÃO DE RECEITA". 


Mário Borges explica que a resolução entrará em vigor em 3 de julho deste ano e as empresas detentoras de medicamentos regularizados até a data de publicação da norma terão 24 meses a 36 meses para adequação de rotulagem, dependendo do medicamento. O especialista considera um avanço, mas alerta que outras frentes de trabalho precisam ser retomadas para prevenir erros de medicação, como a reativação do Comitê de Implantação do Programa Nacional de Segurança do Paciente, que se reuniu pela última vez em 2018. 


“Em 2013, elaboramos o Protocolo de Segurança na Prescrição, Uso e Administração de Medicamentos, mas o foco era a Farmácia Hospitalar. Nossa meta era elaborar um Protocolo para a Assistência Básica, que contemplaria as farmácias comunitárias, incluindo as privadas. O projeto, que é extremamente necessário para evitar casos como estes, nunca saiu do papel”.


O conselheiro federal de Farmácia pelo estado do Mato Grosso, José Ricardo Amadio, lembra que o CFF tem investido pesado na qualificação dos farmacêuticos de todo o país por meio dos cursos Cuidado Farmacêutico e Prescrever. Os cursos preparam os profissionais para o cuidado direto ao paciente, estimulando a prática clínica dentro das farmácias. “E, este ano, o conselho vai lançar o curso Dispensar, elaborado pelo nosso Grupo de Trabalho sobre Farmácia Comunitária, que visa à capacitação dos farmacêuticos para este ato que não pode e não deve ser visto como a simples entrega de um medicamento.” 


A coordenadora do GT e conselheira federal pelo estado de Sergipe, Fátima Aragão, destaca a relevância do projeto. O curso terá uma carga horária de 60 horas, sendo 20 horas de aulas autoinstrucionais por meio da plataforma edufarma.cff.org.br e 40 de aulas presenciais. “Embora a dispensação seja um ato privativo da categoria desde 1981, quando foi regulamentado pelo Decreto Federal nº 85.878/81, observamos que os farmacêuticos ainda enfrentam desafios na sua execução com a necessária qualidade. As dificuldades ocorrem especialmente diante das transformações pelas quais a profissão tem passado, com a disseminação da prática clínica.”
   
Conforme divulgado na imprensa, a Drogaria Ultra Popular assumiu a responsabilidade pela venda de medicamento à família e custeou o velório da criança. Em nota, a empresa afirmou que o fato, está sendo apurado pelas autoridades competentes e que estará, sempre que solicitada, contribuindo para com as investigações, a qual trará os devidos esclarecimentos sobre os fatos em questão (leia abaixo). 


Segundo o avô da criança, Roney dos Santos Martins, declarou às equipes de reportagem, ele recebeu o medicamento de um atendente da farmácia. Ele não condena o balconista pelo suposto erro. "Eu creio que o rapaz está sofrendo muito, porque errar é humano. Só que o local onde ele estava não é digno de errar. Erros nestes tipos de trabalho podem causar mortes."


Nota da farmácia 
"A Drogaria Ultra Popular, sediada na cidade de Formosa- GO, através de sua defesa constituída, vem por meio desta informar que, sobre o infeliz fato ocorrido no ultimo dia 04/03/2023, este está sobre devida apuração das autoridades competentes, e, com comprometimento, respeito, lisura e transparência, a Drogaria Ultra Popular informa que estará, sempre que solicitada, contribuindo para com as investigações, a qual trará os devidos esclarecimentos sobre os fatos em questão. Dessa forma, a Drogaria Ultra Popular, refuta qualquer juízo de valor antecipado e se solidariza com a perda e familiares “