Ziraldo: o homem que mudou campanhas de prevenção da saúde no Brasil
Cartunista e escritor morreu no último sábado (6/4). O corpo foi velado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) procurou o cartunista Ziraldo na década de 1980 porque queria uma abordagem inovadora em uma campanha contra o cigarro. O resultado foi um sucesso e o trabalho logo foi reconhecido. Em 1987, o cartunista foi premiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pela contribuição na campanha Tabaco ou Saúde.
Com o recente falecimento do artista, no domingo (07.04), o uso do material produzido por ele nos cursos promovidos pelo Inca ganha um significado ainda maior. É o que declarou a chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco (Conprev) do Inca, Maria José Domingues da Silva Giongo. “Ele contribuiu muito, tanto para o controle do câncer quanto para o controle do tabagismo. Nós recebemos a notícia do falecimento dele com muita tristeza, porque todos temos um carinho grande por ele, pelo trabalho que sempre fez e essa parceria importante com o Inca. Seu legado vai ser, com certeza, eternizado”.
A parceria de Ziraldo com o Inca teve início em uma campanha contra o cigarro, que resultaria em cinco pôsteres com caricaturas com os dizeres: “fumar é cafona”, “fumar é careta” “fumar é de mau gosto” “fumar é patético” e “fumar é brega”. Esses pôsteres foram amplamente divulgados no último fim de semana nas redes sociais.
Campanha de controle do tabaco
A secretária executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), Vera Luiza da Costa e Silva, foi uma das pessoas que trabalhou com Ziraldo nessa época, em que as propagandas de cigarro ocupavam a televisão e outros meios de comunicação e cerca de 35% da população era fumante, segundo o Inca.
“Naquela época, as campanhas [antitabagistas] eram com caveiras, com revólveres, com uma coisa sempre associada à morte, à doença, à desgraça. E aí ele falou assim: ‘Olha, está tudo errado. O que vai mudar a maneira de as pessoas verem o hábito de fumar é o lado comportamental. Tem que colocar que é cafona fumar, que é careta, que é brega, que é de mau gosto. E aí ele falou: eu vou fazer essa campanha”, contou Vera.
A campanha Saber Saúde funcionou até mesmo com o próprio Ziraldo. “E ele fumava na época. Então, fez a campanha e ficou tão compelido com aquilo que parou de fumar”, lembrou. De acordo com ela, o escritor contribuiu para a definição de um tom das campanhas de prevenção em uma época que o país ganhava nova Constituição, em 1988, e definia, posteriormente, o Sistema Único de Saúde (SUS).
O Brasil também mudou ao longo do tempo. As propagandas de cigarro passaram a ser proibidas nos meios de comunicação. Em 2019, o percentual de fumantes cai para 12,6 %, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
O sucesso foi tanto que a parceria de Ziraldo com o Inca seguiu e, em 1998, ele faria ilustrações também para o Programa Saber Saúde, de prevenção do tabagismo e outros fatores de doenças crônicas. As ilustrações foram todas cedidas ao Inca e continuam sendo usadas. O programa é voltado para as escolas, oferecendo formação aos professores e profissionais de saúde, para que levem informações às crianças e jovens. Além do tabagismo, o programa alerta para os riscos de hábitos como o consumo de álcool, a exposição excessiva ao sol sem proteção, a alimentação não saudável, entre outros.
“As imagens falam por si, dialogam com o público infantil e infantojuvenil. Você olha uma folhinha, uma planta tossindo, expelindo fumaça, a criança olha e vê o dano que aquilo causa à saúde, o quanto faz mal. E o legal é que a partir disso, a gente reforça os fatores de proteção, os comportamentos que eles precisam ter, para que não venham a ter doenças crônicas no futuro”, afirma Maria José Giongo, responsável pelo programa.