Consumo de antibióticos no Brasil ultrapassa 4,5 trilhões de doses em sete anos
Desigualdades regionais e uso elevado de macrolídeos colocam em xeque vigilância e riscos de resistência

Um levantamento inédito, publicado em junho na revista PLoS One, revela que mais de 4,5 trilhões de doses de antibióticos de uso sistêmico foram dispensadas no Brasil entre 2014 e 2020. Baseado em registros do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), mantido pela Anvisa, o estudo assinala variações expressivas no consumo — de 9,8 a 12,9 doses diárias definidas (DDD) por 1 000 habitantes/dia — e aponta disparidades significativas entre as unidades federativas.
Embora o aumento médio do consumo tenha sido geral, alguns estados se destacaram por saltos percentuais mais acentuados: Amazonas, Amapá, Rondônia, Mato Grosso e Rio Grande do Norte lideram o crescimento, enquanto o Mato Grosso do Sul foi o único a registrar queda relevante. No entanto, quando se considera o volume absoluto de consumo, os estados do Sul — sobretudo Rio Grande do Sul e Santa Catarina — mantêm os maiores patamares de DDD por 1 000 habitantes/dia ao longo de toda a série histórica.
A análise por classe farmacológica mostra predomínio de três grupos: macrolídeos (28,6 % do total), penicilinas (28,1 %) e quinolonas. Entre os antibióticos, a azitromicina aparece como campeã de consumo, seguida pela amoxicilina, usada tanto isolada quanto em combinação com o ácido clavulânico. Esse predomínio de macrolídeos ganha contornos preocupantes, já que a Organização Mundial da Saúde os classifica como de vigilância prioritária devido ao alto potencial de induzir resistência bacteriana.
Para a dra. Tatiana Ferreira, farmacêutica e autora da pesquisa defendida na ENSP/Fiocruz, é essencial ampliar o monitoramento do uso de antimicrobianos no ambiente extra-hospitalar. “O SNGPC foi concebido para controlar a venda de medicamentos de uso restrito, mas hoje, com o preenchimento facultativo, estamos no escuro desde dezembro de 2021”, alerta. Ela defende que a Anvisa retome a obrigatoriedade no registro e desencadeie campanhas de conscientização direcionadas a profissionais de saúde e pacientes.
Além da vigilância fortificada, especialistas ressaltam que a adoção consistente de protocolos clínicos e a educação do público são pilares para conter a escalada da resistência microbiana. Relatórios da OCDE demonstram que o crescimento de cepas resistentes traz não apenas riscos à saúde, mas também custos econômicos elevados. “Enfrentar esse desafio requer esforço coordenado entre governo, indústria, prescritores e sociedade civil”, conclui a pesquisadora.