Assistência Farmacêutica no Brasil: 19 anos após a aprovação da política nacional

A Assistência Farmacêutica tem sido, historicamente, um dos maiores desafios da saúde no Brasil.

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Por envolver poderosos interesses políticos e econômicos, a Assistência Farmacêutica tem sido, historicamente, um dos maiores desafios da saúde no Brasil. Dessa forma foi construída uma cultura profundamente equivocada e excludente, onde o medicamento sempre foi considerado uma mera mercadoria e os estabelecimentos farmacêuticos um comércio como outro qualquer.

As terríveis consequências traduzidas em intoxicações por uso inadequado, resistência bacteriana, exclusão dos mais pobres ao acesso e óbitos, são produtos desse perverso equívoco social, econômico e político.

O QUE TEMOS

A aprovação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, consubstanciada através da Resolução 338 do Conselho Nacional de Saúde, de 06 de maio de 2004, foi um marco na luta em prol da mudança desse perfil em busca da universalidade e da integralidade da assistência farmacêutica qualificada e resolutiva.

Sabedores que somos de que cultura não se muda apenas com dispositivos legais, mas principalmente com políticas e ações concretas, podemos compreender os limites dos progressos que conseguimos até agora que, diga-se, não foram poucos, mas reconhecidamente insuficientes.

Apesar dos equívocos conceituais e dos limites estabelecidos, o Programa Farmácia Popular ampliou de forma inequívoca o acesso aos medicamentos de parcela significativa da população brasileira, particularmente das pessoas que vivem com doenças crônico-degenerativas. Isso teve repercussão direta na diminuição no número de internações e na melhoria da qualidade de vida das pessoas.

A presença do farmacêutico em parte importante dos estabelecimentos farmacêuticos públicos e privados e sua atuação na prática da atenção e da correta orientação, passou a fazer parte da rotina de parcela da população atendida. A sociedade começou a reconhecer o profissional e a ele recorrer quando julgou conveniente e/ou necessário.

Concomitantemente a aprovação da lei 13.021 de 08 de agosto de 2014, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas, fruto de uma grande mobilização das entidades e dos órgãos de classe da categoria, à frente o Conselho Federal de Farmácia, estabelece as farmácias como estabelecimentos de saúde e deflagram um importante processo de transformação do perfil desses estabelecimentos, tornando o farmacêutico a figura central e protagonista dessa mudança histórica.

O acesso a medicamentos de alto custo por meio de programas e protocolos específicos e exclusivos do SUS, através de seus serviços hospitalares e/ou de referência, são um diferencial em relação a todos os países do mundo, inclusive dos que dispõem de Sistema Universais de saúde.

Podemos afirmar, portanto, que em poucos anos, transformações estratégicas começaram a acontecer, mas reconhecemos também que ainda estão aquém daquilo que a Política preconiza, que os profissionais e as instituições e órgãos de classe desejam e que a população tem direito. Há muito por fazer e por avançar.

O QUE PRECISAMOS

A assistência farmacêutica nos estados e municípios ainda continua frágil, desorganizada, desfinanciada e desconectada das reais necessidades das suas populações usuárias. Isso se traduz em uma crônica falta de medicamentos, constantes interrupções de tratamento e um violento e insustentável processo de judicialização. É fundamental a criação de Coordenações estaduais e municipais de assistência farmacêutica que sejam contempladas com autonomia administrativa e financeira e geridas de forma profissionalizada com quadros técnicos da própria gestão.

Uma Política Pública de desenvolvimento científico e tecnológico não existe, mantendo o país total e absolutamente refém da importação de fármacos e matérias-primas, com repercussão direta em importantes e vitais itens do elenco de medicamentos a serem disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde e pelo mercado.

A estruturação e valorização dos laboratórios oficiais, medida estratégica para a abastecimento da rede pública em todos os níveis de atenção, são temas recorrentes nas pautas do Conselho Nacional de Saúde e das Conferências de Saúde, mas nunca encaminhado como deveria.

A incorporação de plantas medicinais e de fitoterápicos à rotina dos serviços farmacêuticos permanece como uma proposta ainda incipiente, num claro caso de absurdo desperdício de um potencial praticamente inesgotável que dispomos no país.

Precisamos radicalizar o processo do uso racional de medicamentos, da vigilância sanitária e epidemiológica, da qualificação e ampliação dos serviços de assistência farmacêutica existentes e da força de trabalho necessária para atuação na área.

O farmacêutico presente e atuante em todos os estabelecimentos, privados, da rede pública do SUS em todos os níveis de atenção, clínicas e hospitais, inclusive cumprindo os ditames e requisitos da Farmácia Clínica, devem nortear todas as ações das entidades e órgãos de classe da categoria.

Por fim, continuar a avançar na construção do conceito de farmácia estabelecimento de saúde, com políticas de valorização dos farmacêuticos e da consolidação da atenção farmacêutica nos estabelecimentos como o objetivo maior de cuidado da população naquilo que deve ser colocado como um direito inalienável, inquestionável e constitucional.


Francisco Batista Junior
Farmacêutico Hospitalar do SUS no Rio Grande do Norte
Representa o CFF na CIRHRT e na COFIN do Conselho Nacional de Saúde