Brasil registra aumento de 246% nos suicídios devido à autointoxicação intencional por medicamentos
O pesquisador espera que os resultados do estudo possam auxiliar na elaboração de políticas preventivas que visem apoiar os serviços de saúde na redução desse tipo de morte evitável
Um estudo desenvolvido pelo Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (Legepi) da Fiocruz Amazônia aponta um aumento da ordem de 264% nas taxas de suicídios devido à autointoxicação intencional por medicamentos no Brasil, entre os anos de 2003 e 2022. A pesquisa, cujos resultados foram publicados pela revista científica Frontiers in Public Health, revelou que o inédito aumento dessas taxas pode ter sido influenciado pelas seguidas crises que o país enfrentou na última década, em particular a político-econômica de 2015 e a pandemia de Covid-19, mais recentemente.
"O objetivo do estudo foi fornecer um panorama das características sociodemográficas e do local de ocorrência dos óbitos relacionados ao suicídio por autointoxicação medicamentosa intencional, bem como avaliar a tendência dessas taxas de mortalidade entre 2003 e 2022 e sua relação com crises regionais e globais", explica o pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana, chefe do Legepi e coordenador da pesquisa, juntamente com o médico psiquiatra Maximiliano Ponte, pesquisador da Fiocruz Ceará, e o pesquisador sênior da Fiocruz Amazônia, Bernardo Lessa Horta. Segundo Orellana, trata-se de um estudo ecológico de séries temporais com dados oficiais do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde do Brasil, referente a indivíduos com 10 ou mais anos de idade, que cometeram suicídios por autointoxicação intencional medicamentosa, no período citado.
"As análises mostraram que, entre 2003 e 2022, houve predomínio de óbitos em mulheres (55,5%), indivíduos de 30-49 anos (47,2%), na raça/cor branca (53,2%) e na Região Sul (22,8%). Ademais, 67,0% das mortes ocorreram em estabelecimentos de saúde e 40,4% dos suicídios ocorreram mediante o uso de drogas ou substâncias não especificadas”, detalha Orellana. Ele complementa que, em comparação ao padrão geral das vítimas de suicídios, se observou um perfil sociodemográfico peculiar entre as vítimas de autointoxicação intencional por medicamentos, pois esse predomínio de óbitos em mulheres, na faixa etária de 30-49 anos e em brancos, não é o que frequentemente se observa entre as vítimas de suicídio de forma ampla ou considerando todos os métodos de perpetração da autoagressão fatal no Brasil.
Orellana explica que também preocupou a tendência temporal positiva ou de expressivo aumento nas taxas de suicídio devido a autointoxicação medicamentosa no Brasil, a qual se acentuou a partir de 2016 e atingiu um pico em 2022, “um período notoriamente marcado por crises regionais e globais”, diz. “Em 2015, por exemplo, o Brasil mergulhou em um complexo contexto social, político e econômico e, por sua vez, em 2020 o país viveu sua pior crise sanitária deste século, a epidemia de Covid-19, que resultou não apenas em centenas de milhares de mortes evitáveis, como também em efeitos letais indiretos, tal como sugere o nosso estudo, agravando o já desfavorável cenário dos suicídios devido à autointoxicação medicamentosa no Brasil”, pondera o epidemiologista.
O pesquisador espera que os resultados do estudo possam auxiliar na elaboração de políticas preventivas que visem apoiar os serviços de saúde na redução desse tipo de morte evitável. “Sobretudo no que tange aos atendimentos pré-hospitalar e hospitalar, especialmente nos serviços de emergência, dado o elevado número de mortes observados em estabelecimentos de saúde no Brasil”, conclui Orellana.