Roxane Piazza: farmacêutica e pesquisadora é referência em diagnósticos no Butantan

Após muitos desvios de rota, a catarinense Roxane Piazza consolidou sua carreira em São Paulo na dedicação ao estudo de doenças infecciosas emergentes

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Roxane Maria Fontes Piazza, 64, cresceu em Florianópolis (SC) em uma família ligada à ciência, na companhia de três irmãs e um irmão. Desde pequena, se inspirava na independência da mãe e se encantava pelo trabalho do pai, professor de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que estudava os misteriosos sambaquis do litoral – grandes montes de areia, terra e conchas construídos pelos povos originários há milhares de anos, mas sobre os quais até hoje não se sabe muita coisa. Nas horas vagas, em casa, ela se divertia fazendo os experimentos da coleção infantojuvenil “Os Cientistas”, idealizada pelo professor Isaías Raw, ex-diretor do Instituto Butantan.

A jovem curiosa de então não imaginava que, tempos depois, se tornaria pesquisadora naquela mesma instituição e referência em diagnóstico de doenças infecciosas. Roxane se destacou ao passar no concurso de pesquisador científico nível I antes mesmo de finalizar o mestrado, em 1986, dando início à sua bem-sucedida trajetória no Butantan no ano seguinte. Hoje, é pesquisadora nível VI do Laboratório de Bacteriologia, que dirigiu entre 2005 e 2011 – e não se imagina fazendo outra coisa.

Inicialmente, Roxane sonhava em ser pediatra, já que vivia indo ao médico por conta de alergias. No final do Ensino Médio, decidiu se inscrever em Medicina e colocar Farmácia e Bioquímica como alternativa. Acabou sendo aprovada na segunda opção e ingressou na UFSC, seguindo os passos do pai, que dizia com firmeza aos filhos: “ou vocês estudam na Federal, ou na Federal”.

Dali em diante, a vida acadêmica de Roxane decolou. No segundo ano de graduação, foi cativada pelo trabalho com parasitologia – mais especificamente, doença de Chagas. Ela passou em um concurso de monitoria e atuou por um ano no laboratório de parasitologia da universidade. Depois, conseguiu uma bolsa de iniciação científica e desenvolveu um projeto de diagnóstico para Chagas, passo que definiria boa parte de sua carreira. Outra conquista foi um estágio de seis meses no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Após se formar, passou três anos trabalhando em laboratórios de análises clínicas em Florianópolis. Um desses laboratórios foi fundado pelo seu orientador de iniciação científica, que fez questão que ela participasse da montagem da área de diagnósticos. Quarenta anos mais tarde, esse mesmo professor a procurou e a convidou para escrever o capítulo de um livro sobre Covid-19, com foco em diagnóstico.

No epicentro do conhecimento

A catarinense começou a construir raízes em São Paulo aos 25 anos, quando ingressou no mestrado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP). Não foi simples sair de uma cidade de 200 mil habitantes na época para uma com 9 milhões, morar sozinha e lidar com o alto custo da metrópole paulista. Ela conta que, nos primeiros meses, olhava para o horizonte e podia jurar que enxergava o mar. 

Ao mesmo tempo, era fascinante estar no polo onde atuavam grandes cientistas brasileiros. “Os autores de todos os livros que estudei na faculdade estavam aqui em São Paulo. Isso sempre me estimulou muito”, diz a farmacêutica.

Após dois anos de mestrado (na época, o total eram cinco), a pesquisadora decidiu voltar à terra natal e prestou concurso público para ser professora na UFSC, em 1986, como o pai. Eram somente duas vagas e ela estava entre os três melhores candidatos, mas nem tudo saiu como planejado.

O destino de Roxane estava, de fato, na capital paulista. Ela se tornou pesquisadora científica do Instituto Butantan em 1987 e passou a integrar a equipe do Laboratório Especial de Endemias e Zoonoses Parasitárias. No ano seguinte, recebeu uma oportunidade inesperada – uma bolsa de estudos de um ano na Universidade de Osaka, no Japão, financiada pela Japan International Cooperation Agency (JICA).

No intercâmbio, a cientista aprendeu novas tecnologias, principalmente na área de imunoquímica, muitas das quais ainda eram novidade no Brasil. Voltando da viagem, finalizou o mestrado com um projeto de caracterização bioquímica e biológica de cepas de Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas, utilizando as técnicas que aprendeu no exterior.