Maioria dos pais brasileiros apoia que seus filhos sejam vacinados nas escolas

Nove em cada dez responsáveis por crianças em idade escolar no Brasil apoiam programas de vacinação na escola contra gripe, dengue e HPV, mostra pesquisa; contra a covid, número cai para oito em dez

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Uma pesquisa revelou que a maioria dos cuidadores apoia a vacinação de seus filhos nas escolas no Brasil. Foram observadas, porém, diferenças no apoio entre os tipos de vacinas e os grupos demográficos. A vacinação contra covid-19 recebeu menos apoio (8 em cada 10) do que contra gripe, dengue e HPV (9 em cada 10). Pais e responsáveis que se identificaram como evangélicos apresentaram chances 1,7 vezes maiores de não serem propensos a apoiar este tipo de programa. No geral, somente um pequeno grupo de 7,5% dos pais e responsáveis era contra a participação das crianças em qualquer programa de vacinação na escola.

O estudo foi feito em uma amostra de quase 800 pais e responsáveis de todo País entre julho e agosto de 2023. A única vacina das pesquisadas que não estava aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem incluída no Programa Nacional de Imunização na época do estudo era a vacina da dengue – e mesmo assim ela não teve menos apoio do que as outras. O trabalho foi liderado por uma pesquisadora da USP com participação da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Wesleyan University, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (FCMSC-SP) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

“Estamos numa fase de bastante preocupação com a hesitação vacinal em decorrência de fake news, o que de fato é um problema a ser olhado. Mas o que os dados da pesquisa nos convidam a pensar é: será que esse é o fator principal da redução nas taxas de vacinação? Como a grande maioria dos responsáveis apoia que seus filhos sejam vacinados nas escolas, é de se perguntar por que então não os levam para ser vacinados nos postos”, aponta Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e primeira autora do artigo publicado com os resultados.

Um dos grandes problemas, ela aponta, são os pais que trabalham e não conseguem levar os filhos para a vacinação no horário de funcionamento dos postos. “Se considerarmos os números da pesquisa, poderíamos estar atingindo uma cobertura de 80 a 90% que não estamos [conseguindo] porque a vacinação não está sendo organizada de uma forma que a favoreça chegar nessas crianças”, afirma.

Ela explica que o fenômeno da hesitação vacinal pode ocorrer se uma das três dimensões seguintes não forem contempladas: a complacência (a pessoa opta pela vacinação após ponderar os benefícios contra os riscos); a confiança (a pessoa confia na vacina); e a conveniência (há oportunidade e facilidade para a vacinação).

“Não conseguimos destrinchar ainda o peso que cada uma dessas dimensões está tendo no caso do Brasil atualmente, mas seria importante adequar os horários, dando mais oportunidade para procura pela vacinação. Se queremos entender e combater a hesitação, temos que estar também engajados em estudar e aprimorar a conveniência.”

Covid e dengue

Os responsáveis expressaram menor propensão a autorizar a participação de seus filhos em programas de vacinação escolar contra a Covid-19 (21,11% disseram que não os autorizariam).

Para os autores da pesquisa, isso pode ser reflexo do cenário político influenciando as atitudes em relação às vacinas no Brasil. Na época da pandemia, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro minimizou os riscos da covid-19 para crianças, questionou a segurança das vacinas e se opôs à vacinação obrigatória, indo contra o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mesmo após a aprovação das vacinas contra a covid-19 para crianças de 5 a 11 anos pela Anvisa, o governo organizou audiências públicas onde especialistas contrários à vacinação deram suas opiniões. Já o atual governo Lula, iniciado em 2022, e seu Ministério da Saúde, anunciaram, em 2025, que haverá nova iniciativa para implementar programas nacionais de vacinação em escolas. Não foram divulgados mais detalhes.

Além disso, como lembra a professora, na época da pandemia “houve um aviso de que os pais teriam que assinar um termo de responsabilidade, algo que não existe quando você leva seu filho para tomar outras vacinas”. Para ela, o anúncio, ainda que não tenha sido efetivado na prática, enviou uma mensagem de que a vacina da covid-19 não era igual às outras. “Então, temos evidências muito claras que, mais do que demorar a comprar as vacinas, o governo realmente adotou medidas para desestimular a vacinação infantil”, diz ela, ao ressaltar que Bolsonaro fez questão de falar publicamente que ele não autorizaria a própria filha a tomar a vacina.

Por outro lado, os achados sobre o alto nível de apoio à vacinação contra a dengue nas escolas, mesmo que esta vacina ainda não estivesse disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) no momento da pesquisa, sugerem que a aceitação de uma vacina em ambiente escolar não depende necessariamente de sua longa história de uso público. No caso da covid-19 – uma vacina mais recente – os pesquisadores apontam a contribuição negativa das campanhas de desinformação contra a vacinação, com apoio do próprio governo brasileiro.

Em relação aos grupos demográficos, os fatores que mais previram a oposição à vacinação escolar incluíram ser cuidador apenas de crianças com menos de seis anos e se autoidentificar como evangélico. Os motivos dessas tendências ainda precisam ser melhor estudados, mas já fica o alerta sobre a necessidade de que se desenvolvam estratégias para recuperar a confiança deste numeroso grupo populacional.

Campanhas de informação podem melhorar programas de vacinação nas escolas

Os resultados desta pesquisa têm implicações importantes para a política de saúde pública no Brasil, especialmente com o recente anúncio do Ministério da Saúde de implementar programas de vacinação em escolas em todo o País. O artigo destaca, por exemplo, a necessidade de estratégias de comunicação direcionadas para abordar preocupações específicas sobre as vacinas e para alcançar os grupos demográficos menos atingidos.

Lorena Barberia, porém, voltou a insistir no ponto da conveniência da vacinação, que em sua opinião poderia mudar o jogo, aumentando a cobertura no País. “A questão da desinformação, especialmente, nos grupos de WhatsApp é algo que tem que ser sempre monitorado. Mas, sem esquecer a importância de facilitar o acesso, em termos de local e horário, à vacinação”.

Contexto

Na América Latina, 14 países relataram à Organização Mundial da Saúde (OMS) que estão promovendo programas de vacinação escolar desde 2022. O Brasil se junta à Colômbia, República Dominicana, Uruguai e Nicarágua entre os que ainda não praticam este tipo de ação. Os dados sobre a opinião dos pais a respeito da implementação destes programas também são limitados – lacuna que o trabalho procurou preencher.

De maneira geral, os índices de vacinação entre crianças e adolescentes brasileiros – assim como em quase todo o mundo – têm apresentado quedas preocupantes, ficando bem abaixo da cobertura ideal. A taxa de cobertura da primeira dose da vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP) caiu de 91%, em 2013, para 64% em 2016, por exemplo. O declínio na cobertura foi maior para vacinas contra doenças que exigiam mais de uma dose. Apenas 54% das crianças de quatro anos receberam a segunda dose da vacina DTP em 2019.

As taxas de vacinação são insatisfatórias inclusive para as vacinas contra a covid-19, introduzidas mais recentemente. A Anvisa autorizou a aplicação da vacina contra covid-19 da Pfizer-BioNTech para adolescentes de 12 a 17 anos em junho de 2021 e para crianças de cinco a 11 anos em dezembro do mesmo ano. E atualmente, a vacinação contra covid-19 está incluída no calendário do Programa Nacional de Vacinação. No entanto, até o ano de 2025 somente 24% crianças de cinco a 11 anos haviam sido vacinadas; crianças menores – que também tiveram a vacina aprovada um pouco depois na época da pandemia – tiveram taxas ainda menores: para bebês de seis meses a dois anos de idade, a cobertura de vacinação de três doses era de 12% . Entre crianças de três a quatro anos, 16% receberam três doses.

Para Lorena Barberia, um dos recados que esta pesquisa deixa é que a resistência contra a vacina da covid-19 continua, e ela não é vista como outras vacinas. Ainda precisamos entender melhor isso e ponderar como as falhas em garantir a cobertura vai impactar crianças e adolescentes, que continuam com experiências muito diferentes sobre como foi a saída da pandemia.

O artigo publicado recentemente na revista Vaccine pode ser lido na íntegra neste link.