Nanotecnologia brasileira propõe nova estratégia contra intoxicações graves

Pesquisadora da UFG desenvolve lipossomas capazes de capturar substâncias tóxicas e acelerar o atendimento a casos de overdose

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Uma linha de pesquisa conduzida há três décadas pela farmacêutica e professora Eliana Martins Lima, da Universidade Federal de Goiás (UFG), resultou em um método inovador para o tratamento de intoxicações graves. A cientista desenvolveu nanoestruturas capazes de remover do organismo substâncias tóxicas em excesso, invertendo o caminho tradicional que utiliza partículas para levar medicamentos a regiões específicas do corpo.

A tecnologia usa lipossomas, vesículas microscópicas com membrana e núcleo aquoso, preparados para captar anestésicos e drogas de abuso por afinidade química. As partículas permanecem circulando por horas no sangue e mantêm aprisionadas as moléculas tóxicas graças a uma adaptação chamada protonação. Segundo a pesquisadora, o mecanismo reduz rapidamente efeitos neurológicos e cardíacos da intoxicação, permitindo que equipes de emergência estabilizem o paciente de forma mais segura.

Nos testes com ratos de aproximadamente 250 gramas, cerca de 70% das partículas migraram para o fígado, onde foram metabolizadas e descartadas. Os sinais vitais dos animais se normalizaram em até dois minutos após a aplicação da formulação. Durante os 30 dias seguintes, limite máximo do protocolo, não foram observadas alterações de saúde ou comportamento.

A UFG e o laboratório Cristália já solicitaram a patente da tecnologia. A empresa investiu R$ 6 milhões e se prepara para pedir autorização à Anvisa para iniciar estudos clínicos em humanos. A expectativa é que o pedido seja analisado no primeiro trimestre do próximo ano, com foco inicial na intoxicação por cocaína, substância utilizada nos experimentos com autorização da Polícia Federal.

Segundo a pesquisadora, a formulação também poderá atuar em casos de ingestão excessiva de medicamentos, anestésicos e outras drogas, embora essas possibilidades ainda estejam em fase de investigação. Especialistas destacam que quadros de overdose podem provocar danos neurológicos, alterações psiquiátricas, arritmias, AVC, insuficiência hepática e risco de coma. Estudo da Universidade Federal de São Paulo aponta média de quase mil mortes por overdose por ano no país entre 2000 e 2020.

O Cristália prevê que os primeiros testes clínicos com voluntários ocorram no primeiro semestre de 2026. Para Eliana Martins Lima, acompanhar a evolução da pesquisa até a possibilidade de aplicação prática representa um marco na carreira e um avanço potencial para o atendimento emergencial em saúde.