“The Last of Us” e o avanço silencioso de fungos patogênicos em um mundo mais quente

Pesquisa da Universidade de Manchester alerta que espécies de Aspergillus podem se expandir para novas regiões com o aquecimento global, agravando o impacto de doenças fúngicas como a aspergilose

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A série The Last of Us, da HBO — em que um fungo mutante transforma humanos em criaturas monstruosas — reacendeu o interesse popular pelos fungos e seus perigos. Apesar de ser ficção, os fungos são reais e representam uma ameaça crescente à saúde humana, especialmente em um planeta cada vez mais quente. Estudos científicos apontam que espécies do gênero Aspergillus estão se expandindo para novas regiões, impulsionadas pelas mudanças climáticas, o que pode aumentar significativamente o número de infecções fúngicas graves.

Fungos onipresentes e essenciais

Os fungos estão em toda parte — no solo, na água, no ar — e cumprem papéis cruciais nos ecossistemas, como a decomposição da matéria orgânica. Incluem bolores, leveduras e cogumelos, e muitas espécies são benéficas ou inofensivas. No entanto, algumas são capazes de causar doenças em humanos, animais e até plantas. Espécies como Aspergillus fumigatus são especialmente preocupantes por causarem infecções pulmonares e contaminarem alimentos, além de já apresentarem resistência a medicamentos.

Do ambiente à doença: aspergilose e riscos à saúde

Milhões de pessoas respiram esporos de fungos todos os dias sem adoecer. Mas indivíduos com doenças pulmonares crônicas, como asma ou DPOC, ou com imunidade comprometida, como pacientes com câncer ou HIV, estão em risco de desenvolver infecções graves, como a aspergilose. Essa doença pulmonar tem sintomas pouco específicos, como febre e tosse, o que dificulta o diagnóstico. Suas taxas de mortalidade podem chegar a 40%. Além disso, os profissionais de saúde muitas vezes não consideram infecções fúngicas como hipótese diagnóstica, atrasando o tratamento.

Predições científicas: expansão do Aspergillus

Modelos climáticos preveem que, com o aumento das temperaturas globais, fungos como A. fumigatus, A. flavus e A. niger vão ocupar áreas geográficas antes inóspitas. Isso significa que regiões mais ao norte, antes protegidas pelo frio, podem passar a abrigar fungos perigosos, expondo milhões de pessoas a novos riscos. Estima-se que até 2100 algumas espécies possam expandir seu território em mais de 70%. Esse movimento acompanha também o aumento dos casos clínicos em áreas antes menos afetadas, indicando uma forte correlação entre presença ambiental do fungo e surtos da doença.

Resistência antifúngica e desafios diagnósticos

Um problema adicional é a crescente resistência dos fungos aos antifúngicos disponíveis. Há relatos de cepas resistentes a medicamentos sendo encontradas até mesmo em compostagem doméstica. Com poucas classes de antifúngicos disponíveis no mercado, o surgimento de cepas multirresistentes representa uma grave ameaça. Além disso, a escassez de testes diagnósticos rápidos e precisos dificulta o tratamento precoce, o que eleva as taxas de complicações e mortes.

Mudanças climáticas, saúde pública e segurança alimentar

O impacto das mudanças climáticas não se restringe à saúde humana. Fungos como A. flavus são capazes de contaminar alimentos, como milho e amendoim, com toxinas cancerígenas, o que ameaça a segurança alimentar. Com a expansão geográfica desses fungos, há risco de contaminação em novas regiões agrícolas. Além disso, mudanças na temperatura e umidade podem afetar a produtividade de safras e facilitar a proliferação de doenças.

Eventos extremos e dispersão de esporos

Eventos climáticos extremos, como enchentes, furacões e secas, também influenciam a proliferação de fungos. A alternância entre períodos secos e úmidos favorece o crescimento e a dispersão de esporos, aumentando a exposição humana. Há registros de surtos de doenças fúngicas logo após desastres naturais, demonstrando como o clima pode afetar diretamente a saúde pública.

Falta de dados e urgência de mais pesquisas

Apesar da gravidade do problema, as infecções fúngicas ainda recebem pouca atenção em comparação a outras doenças infecciosas. A falta de dados confiáveis dificulta o planejamento de políticas públicas eficazes. Especialistas alertam que é urgente investir em diagnóstico, novos medicamentos e campanhas de conscientização. Caso contrário, o avanço dos fungos pode se tornar um problema de proporções globais — e, ao contrário da série, essa ameaça não será ficção.