Pesquisas em MTM trazem novas perspectivas para o ajuste de doses feito pelo farmacêutico
Profissional pode estar envolvido em todas as etapas do monitoramento terapêutico de medicamentos
Cristina Sanches, farmacêutica e professora da UFSJ
O serviço de monitoramento terapêutico de medicamentos (MTM) depende da atuação de vários profissionais num hospital. Mesmo sem ser uma área privativa do farmacêutico, o ajuste de doses é uma atribuição muito própria da atividade farmacêutica. O farmacêutico pode estar envolvido em todas as etapas do MTM. Desde solicitar exames, coletar amostras para exames laboratoriais, fazer a análise e emitir laudo de resultado, interpretar estes resultados e fazer os ajustes de doses na prescrição.
Quem atua nessa área luta para que essa seja uma atividade privativa do farmacêutico, já que esse profissional tem formação e conhecimento para realizar os ajustes conforme a farmacocinética do medicamento (absorção, distribuição, metabolismo e excreção). A farmacêutica e professora da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Cristina Sanches, trabalha com farmacocinética clínica desde 2004 e observa as alterações que ocorrem no organismo, principalmente, com o uso de antimicrobianos. Ela explica que uma das questões cruciais desse trabalho é manter concentrações adequadas do medicamento no organismo. E essa medida acaba impactando também nos desfechos clínicos e indicadores econômicos em saúde.
O monitoramento terapêutico de medicamentos (MTM) é uma prática realizada para medir a concentração de medicamentos no organismo do paciente, principalmente no sistema circulatório. O objetivo é ajudar o profissional a ajustar as doses para as necessidades específicas. O uso de MTM nos hospitais pode prevenir a ocorrência de problemas graves relacionados aos medicamentos e aumentar a segurança do uso destes. Uma das principais indicações de MTM se dá quando há necessidade de uso de um medicamento que apresenta estreita faixa terapêutica entre toxidade e eficácia.
Cristina observa que muitas variantes interferem no monitoramento terapêutico, até mesmo o fato de uma pessoa metabolizar de forma mais rápida do que outra pode interferir na dosagem que se deve aplicar àquele paciente. “Outra barreira importante do monitoramento é que quando se sugere um ajuste de dose, muitas vezes, a gente encontra resistência do prescritor em mudar a dose”, destaca a especialista.
Para avaliar essa concentração de medicamento no sangue, por meio da farmacocinética clínica, é preciso dispor de métodos ultrassensíveis que consigam quantificar concentrações baixas e altas dos medicamentos nos pacientes. “Existe uma relação direta entre dose, concentração plasmática e efeito. Então, com essa relação eu consigo ajustar a dose para obter melhores resultados. Se o nível está baixo, eu posso ter ineficácia, se o nível está alto, eu posso ter toxicidade”, alerta a pesquisadora.
Rotineiramente, o monitoramento já é realizado de forma indireta, com parâmetros que não são de concentração plasmática, mas por meio de medição da pressão arterial ou dos níveis de insulina, por exemplo. “Se eu vou ajustar a dose de acordo com a pressão, se está alta, baixa, a conduta é reduzir ou diminuir a dose. A mesma coisa com a glicemia, eu vou ajustando a dose de insulina de acordo com os valores glicêmicos do paciente. Nestes casos, estou avaliando o efeito do medicamento, mas nem sempre é possível avaliar dessa forma, aí entra o MTM”, explica Cristina Sanches.
Existem ferramentas que ajudam os farmacêuticos a realizarem cálculos farmacocinéticos e o ajuste de doses. Em pesquisa realizada em 2015, Cristina Sanches buscou formas de ajustar a dose de antimicrobianos para os pacientes brasileiros, por entender que por ser um povo miscigenado, o perfil farmacocinético pode ser diferente. “Por exemplo, eu tenho um paciente internado na UTI, caucasiano, branco, europeu, americano ou canadense. Será que a mesma dose que se usa nesses locais, para esses pacientes, eu posso usar na população brasileira, com toda a nossa miscigenação e todas essas questões de ancestralidade que interferem na farmacocinética do medicamento?”.
Outra pergunta de pesquisa, que ainda não pôde ser respondida, é em relação aos indígenas brasileiros que hoje vivem nas cidades. “Será que eles têm a mesma farmacocinética dos outros habitantes?”, questiona a pesquisadora. A partir de um estudo realizado em conjunto com pesquisadores da Austrália e dos Estados Unidos, a equipe de cientistas validou um software de ajuste de doses voltado para a população brasileira. Com esse estudo foi feita uma adaptação cultural e linguística desse software, o que foi relatado no artigo, de 2020: “Adaptação linguística e cultural para a língua portuguesa de um software para ajuste de dose de antimicrobianos”.
O trabalho também deu origem ao artigo “Software para ajuste de doses de antimicrobianos. Implicações nas concentrações plasmáticas e limitações práticas”. Neste estudo, a pesquisadora ressalta que são relatadas várias barreiras para a condução do estudo. Barreiras importantes que devem ser levadas em conta antes mesmo de pensar em implantar um serviço de MTM. Após conversarem com o desenvolvedor do software, os pesquisadores fizeram novas configurações e avaliaram a concentração plasmática, dando origem ao segundo artigo “Population Pharmacokinetic Model of Piperacillin in Critically Ill Patients and Describing Interethnic Variation Using External Validation”. E com os resultados comparativos entre a população brasileira e australiana, eles descobriram que é possível utilizar modelos já validados europeus, pelo menos no caso estudado, da Piperacilina.