Estudo da USP combina antibacteriano e fungicidas para tratar superfungos

Pesquisador diz que estudos ainda necessitam de mais investimentos, mas comemora a lista de prioridades elegida pela OMS

Image description

Na busca por novos medicamentos para combater fungos causadores de doenças em humanos, a equipe da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), conduzida por Gustavo Goldman, descobriu que a combinação de um novo peptídeo sintético, que pode curar moléstias que vão de infecção cutânea por bactérias até covid-19, com duas classes de antifúngicos disponíveis no mercado pode matar cepas resistentes de fungos. 

A nova substância é a brilacidina. Desenvolvida em laboratório, ela mostrou o poder de aumentar a eficiência de remédios tradicionais, tornando-os capazes de matar o fungo causador da aspergilose. “A coleção de drogas que nós trabalhamos nos mostrou que um dos elementos, que é a brilacidina, um peptídeo mimético antimicrobiano, feito através de computação química, associada a antifúngicos caspofungina ou voriconazole demonstrou potencial de destruir superfungos”, afirma. 

A oportunidade de pesquisa veio com a publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) da lista de prioridades para estudos de fungos patogênicos humanos. “É uma verdadeira revolução neste campo, isso já que existe, há algum tempo para bactérias, mas não para fungos. Trabalhamos com os quatro principais fungos que foram colocados nessa lista de prioridade pela OMS, que contém 19 fungos. São eles o Cryptococcus neoformans, Aspergillus fumigatus, Candida auris e Candida albicans”, explica. 

*A especialista em saúde pública e vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Luciana Canetto, diz que a descoberta de novos agentes antifúngicos é de extrema importância para a saúde pública, sobretudo para tratamento de infecções fúngicas sistêmicas e oportunistas, garantindo melhor qualidade de vida para pessoas, em especial para pacientes com sistema imunológico debilitado como, por exemplo idosos, transplantados, em uso de quimioterapia, corticoides e outros. "Ou seja, o desenvolvimento de antifúngicos para tratamento de tais infecções, que sejam seguros e com poucos efeitos adversos, beneficia grande número de pacientes, o que demonstra sua importância em termos epidemiológicos". 

Pesquisa é feita por meio de 'Projeto Temático da FAPESP'

O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) começou a verificar o potencial desta molécula para o tratamento de superfungos por meio do Projeto Temático da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. “A principal estratégia para o estudo foi a partir de reposicionamento. Buscamos drogas que já estão produzidas, que já têm patente bem estabelecida. Dessa forma, poderíamos tentar combinar com drogas que potencializassem os antifúngicos usuais, que hoje estão no mercado”.

Investimentos em pesquisa

Gustavo Goldman observa uma escassez de novos medicamentos e um crescimento da resistência dos microrganismos aos medicamentos que já são conhecidos. Ele reforça que as doenças fúngicas vêm sendo negligenciadas. “A partir da década de 1950, quando começaram a surgir os primeiros tratamentos de quimioterapia contra o câncer, que acabavam causando imunossupressão, houve um aumento muito consistente das infecções fúngicas. Porém elas não foram e ainda não são tratadas como deveriam”. De acordo com o pesquisador, antes disso, as pessoas tinham uma visão da doença fúngica como uma doença menor, que não era importante. “Infelizmente, isso ocorre até hoje”. 

Ele cita exemplos como caspa, pé de atleta, micose, doenças consideradas pequenas ou simples, mas que, segundo ele, são difíceis de serem tratadas e muito resistentes e persistentes ao tratamento. “Mas, eu acho que houve um aumento das infecções fúngicas. Vem se observando isso, principalmente com a melhoria dos tratamentos médicos como os transplantes de órgãos, de medula óssea, através de procedimentos de imunossupressão”, pontua. 

Outro marco importante para o aumento das enfermidades causadas pelos fungos resistentes em humanos foi o surgimento de doenças como a aids, que também fez aumentar os níveis da população imunocomprometida. “Então, esse cenário começou a se estabelecer no mundo a partir daí”. 

Segundo o biólogo, nunca houve muito investimento por parte das companhias farmacêuticas em relação às drogas antifúngicas. “Recentemente, têm surgido algumas drogas mais promissoras, como ibrexafungerpe, fosmanogepix, e assim por diante. Mas o último substancial investimento que houve das indústrias farmacêuticas foi há mais de 20 anos com as equinocandinas. Então, existem poucas drogas antifúngicas e pouco investimento”, lamenta. 

*Segundo dados apresentados pelo Fundo Global de Ações contra Infecções Fúngicas, mais de 2 milhões de mortes no mundo anualmente estão relacionadas a fungos (disponível em:https://gaffi.org/ acesso em 11/08/23). "Vale destacar que é estratégico que ocorram investimentos em pesquisa de novos fármacos no Brasil, principalmente em se tratando de um medicamento com esse impacto na saúde", pontua a farmacêutica Luciana Canetto, que também integra o Grupo de Trabalho sobre Saúde Pública do CFF.*

Aumento de temperatura global x superfungos*

Um outro problema sério, segundo aponta Dr. Gustavo, é o aumento global da temperatura, o que pode gerar uma pressão seletiva muito grande sob os fungos e fazer com que eles acabem aumentando a capacidade de lidar e resistir a essas altas temperaturas. 

“Os fungos são organismos que gostam de temperaturas médias entre 20º e 30º graus. Isso é uma grande vantagem dos mamíferos, pois nós somos homeotérmicos, principalmente os humanos, e conseguimos, conviver e manter, a custa de muito alimento e energia, temperaturas altas no nosso organismo, o que, geralmente, os fungos não gostam. Então, isso restringe ainda a infecção fúngica a um número pequeno de fungos que são temotolerantes”, explica.

O estudioso continua o esclarecimento sobre o tema e aponta que a imunidade nata e a homeotermia são capazes de controlar a maior parte das infecções fúngicas em pacientes imunocompetentes, por infecções fúngicas oportunistas.