Traficantes usam pró-fármacos para ocultar drogas ilícitas e geram preocupação nas autoridades

Estudos recentes têm demonstrado que essas substâncias apresentam uma alta toxicidade, mesmo em exposições a doses extremamente baixas.

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Os traficantes de drogas encontraram uma forma de burlar as agências reguladoras, utilizando uma das ferramentas mais potentes do nosso corpo: o metabolismo.

Os pró-fármacos, substâncias químicas que entram no corpo de forma inativa e se ativam ao interagir com o organismo, têm se destacado como uma ferramenta valiosa na medicina. Eles são usados em medicamentos antivirais e no tratamento de condições como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). No entanto, essa mesma tecnologia tem sido explorada para ocultar drogas ilícitas, como LSD.

No campo da medicina, os pró-fármacos são uma inovação bem-vinda. No entanto, seu uso indevido como pró-drogas representa um desafio crescente. O governo do Reino Unido relatou essa tendência em 2014 e, desde então, muitos outros pró-fármacos foram identificados. No Brasil, os primeiros relatos de pró-fármacos de LSD (Dietilamida do ácido lisérgico) surgiram em 2022.

No contexto de estimulantes, algumas substâncias disponíveis comercialmente podem ser metabolizadas no organismo, convertendo-se em anfetaminas como, por exemplo, o Clobenzorex (uso proscrito no Brasil), o qual é metabolizado em anfetamina e vem sendo utilizado como rebite.

Rafael Lanaro e José Roberto Santin, farmacêuticos-toxicologistas do Grupo de Trabalho de Toxicologia do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e membros da diretoria da Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox), fazem um importante alerta. Embora a apreensão de alguns pro-fármacos seja uma preocupação relevante, o maior desafio que enfrentamos atualmente está relacionado às novas substâncias psicoativas (NSPs). A maioria dessas substâncias contêm compostos análogos ou miméticos de drogas clássicas, tais como metanfetamina, 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA – ecstasy), ∆9-tetrahidrocanabinol (THC – maconha), heroína e outras. Estas substâncias estão sendo continuamente introduzidas e identificadas em território brasileiro, gerando sérias preocupações. A razão para essa preocupação reside na falta de conhecimento científico abrangente, que inclui desde métodos laboratoriais para identificação em fluidos biológicos, até os efeitos produzidos no organismo humano, bem como a abordagem de casos de intoxicação envolvendo essas NSPs.

Perigo oculto

A peculiaridade dos pró-fármacos reside no fato de que eles precisam passar por transformações internas antes de se tornarem ativos. Enquanto a maioria das drogas ilícitas age diretamente sobre os receptores das células cerebrais, os pró-fármacos requerem a remoção ou substituição de uma pequena parte de sua molécula antes de poderem interagir com esses receptores, processo que ocorre naturalmente no corpo.

A detecção desses pró-fármacos representa um desafio complexo para as autoridades. Para identificá-los, necessita-se de técnicas analíticas que façam a sua elucidação estrutural como por exemplo a ressonância magnética nuclear (RMN), ou espectrometria de massas de alta resolução (HRMS). Uma vez identificados, estes compostos passam a compor a lista de substâncias proscritas, juntamente com as Novas Substâncias Psicoativas.

Com uma nova substância psicoativa entrando no mercado ilegal a cada semana, a diversidade de drogas representa um dos principais desafios para toxicologistas e autoridades encarregadas de combater o tráfico e o uso indevido de drogas. A busca por soluções para detectar e controlar essas substâncias continua sendo uma prioridade na luta contra as drogas ilícitas.

Estudos recentes têm demonstrado que essas substâncias apresentam uma alta toxicidade, mesmo em exposições a doses extremamente baixas. Já existem relatos de intoxicação e, lamentavelmente, óbitos ocorrendo no território brasileiro. Um fator complicador é que essas NSPs são frequentemente comercializadas nas formas tradicionais de outras drogas, como comprimidos e "selos" (blotters). Muitos usuários acreditam estar consumindo uma substância familiar quando, na verdade, estão expostos a uma NSP, o que aumenta significativamente o risco de eventos adversos graves. Portanto, é de extrema importância que a comunidade científica, profissionais de saúde e autoridades se unam para abordar essa crescente ameaça à saúde pública.